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A Teoria das Áreas Monetárias Ótimas e a Moeda Única do Mercosul

Recentemente, a discussão a respeito da viabilidade de uma moeda única para o Mercosul voltou à cena quando o Presidente Lula fez a primeira viagem internacional de seu novo mandato à Argentina. Uma moeda única pressupõe a adoção de uma nova moeda por parte dos países do bloco, com a extinção das moedas que circulavam até então. Embora não fosse essa exatamente a proposta suscitada pela equipe econômica do novo governo, que visava apenas formatar uma moeda para as transações comerciais entre os países do bloco, sem depender do dólar, o tema voltou a ser debatido. Mas será que uma moeda única para o Mercosul faz sentido em seu estágio atual de integração econômica? Para tentar responder essa questão, é preciso examinar o conceito de áreas monetárias ótimas, além dos benefícios e dos custos econômicos de sua implementação.

A criação de uma moeda única entre diferentes países tem a sua base teórica nas áreas monetárias ótimas e seu exemplo empírico mais conhecido é o euro. Robert Mundell (1961) é considerado o pioneiro da teoria das áreas monetárias ótimas. De acordo com o autor, uma área monetária seria ótima somente se o grau de integração econômica entre seus membros fosse elevado, medido tanto pelo nível de comércio de bens e serviços como pela mobilidade dos fatores de produção (tanto mão de obra quanto capital). Isso levaria a uma grande correlação em seus ciclos de negócios, o que facilitaria a ação do Banco Central responsável pela estabilidade monetária da região. Um ciclo de negócios correlacionado significa que os países estariam crescendo ou desacelerando a taxas relativamente próximas e enfrentariam problemas similares ao mesmo tempo, por exemplo, uma aceleração da inflação devido à forte expansão econômica. Nesse caso, o Banco Central poderia elevar a taxa de juros para combater o surto inflacionário, sem prejudicar demasiadamente o nível de atividade dos países da região.

Entre os principais benefícios das áreas monetárias ótimas se destaca o ganho de eficiência monetária, pois a moeda única evitaria a incerteza e reduziria os custos de transação, inerentes à flutuação das taxas cambiais. Os custos de transação se referem às taxas e comissões pagas, principalmente, para trocas de moedas de diferentes países e para realização de operações de hedge cambial. De acordo com Chagas e Baumann (2007), uma moeda única no Mercosul teria reduzido os custos de transação para o Brasil na ordem de 0,9% do PIB, no ano de 2003. Assim, a moeda única serviria para aprofundar o processo de integração econômica entre os países da região ao reduzir os custos de transação e a incerteza cambial, criando um ciclo virtuoso. A moeda única estimularia a integração econômica e essa maior integração, por sua vez, tornaria o ciclo de negócios cada vez mais síncrono, aumentando ainda mais as externalidades positivas da moeda comum.

No entanto, também é preciso considerar os custos e o momento mais adequado de sua adoção. Entre os principais custos de uma moeda única desponta a perda de autonomia na condução da política econômica. O país que ingressa na união monetária necessariamente abre mão de sua prerrogativa de usar a taxa de câmbio e a política monetária com o propósito de estabilizar o produto e o emprego, pois agora quem as define é o Banco Central da região. Portanto, fica claro o trade-off inerente à adoção de uma moeda única. De um lado, ela estimula a integração econômica entre os países membros ao reduzir as incertezas cambiais e os custos de transação. Mas, por outro lado, também reduz a autonomia na condução da política econômica dos países que a adotam ao transferir ao Banco Central da região as decisões sobre as políticas cambial e monetária.

Esse parece ser o ponto central na discussão sobre uma moeda única para o Mercosul. Em uma região em que a integração econômica ainda é muito baixa, especialmente do ponto de vista brasileiro, valeria a pena abrir mão da condução das políticas monetária e cambial para um Banco Central supranacional? Em termos de comércio, as exportações do Brasil para o Mercosul representaram apenas 6,5% do total exportado para mundo em 2022, enquanto as importações brasileiras provenientes do bloco chegaram a 6,8% do total. No caso da União Europeia, o país que apresentava a menor dependência comercial do bloco era o Reino Unido e, mesmo assim, ela girava em torno de 50% de seu comércio total, muito acima até mesmo do comércio intrabloco dos parceiros menores do Mercosul, como Uruguai e Paraguai.

Essa baixa integração econômica entre os países do Mercosul se reflete na assincronia entre seus ciclos de negócios. No período 2018-2021, a economia brasileira cresceu em média 1% ao ano, enquanto a Argentina passava por uma profunda recessão, com o PIB declinando, em média, 1,3% ao ano. Além disso, enquanto a inflação média brasileira se situou em 5,6% ao ano, na Argentina ela atingiu a 47% ao ano. Portanto, o baixo grau de integração econômica e a ausência de um mínimo de sincronia entre os ciclos de negócios dos dois países inviabilizam a criação de uma moeda única, pois o bloco se encontra muito distante de ser uma área monetária ótima.

 Faria mais sentido, ao invés de sonhar com uma moeda única, buscar uma retomada do processo de integração em aspectos ainda incompletos. Na questão do comércio, apesar dos avanços conquistados, há ainda vários empecilhos que ainda restringem os negócios entre os países-membros do Mercosul. Um exemplo está na imposição de tarifas de importação em determinados produtos no comércio entre os seus parceiros, como no caso do açúcar, ou então regras específicas para o setor automotivo, além da possibilidade de aplicação de medidas antidumping, que, sob o pretexto de evitar um comércio desleal, acabam protegendo setores pouco competitivos. Isso sem mencionar a demora na concessão de licenças de importação, que atrasam a liberação das cargas nas fronteiras e criam incertezas quanto às remessas futuras. Por fim, os planos ambiciosos de permitir o livre trânsito de pessoas e de capitais na região ainda estão longe de ser implementados.

Passadas mais de três décadas de sua criação, o resultado é que o Mercosul ainda não atingiu sequer o status de uma zona de livre comércio plena. Comparando-se os objetivos do bloco com suas realizações, pode-se constatar que em todas as áreas os resultados estão muito aquém do inicialmente previsto, com a existência de vários furos e brechas. Os céticos em relação ao futuro do bloco não veem muito sentido em continuar insistindo em uma fórmula que não deu certo, perseguindo uma integração profunda, inspirada na União Europeia, mas que foi incapaz sequer de liberalizar plenamente o comércio entre seus parceiros.

A criação de uma moeda única é o ápice de um processo de integração econômica. Ela deve ser precedida por uma plena integração comercial, sem restrições ao comércio internacional, adoção de uma política comercial comum e a livre circulação de pessoas e capitais, como ocorreu no processo de integração europeu. Só então, com uma maior integração comercial e financeira entre seus membros e uma maior sincronia do ciclo de negócios seria possível pensar em uma moeda única. Em seu estágio atual, pensar em uma moeda única para o Mercosul não faz o menor sentido.
 

Referências:

CHAGAS, Leonardo;  BAUMANN, Renato (2007). Integração monetária no Mercosul: ganhos com menores custos de transação? Economia Aplicada, v. 11, p. 95-111.

MUNDELL, Robert (1961). A theory of optimum currency areas. American Economic Review, v. 60, p. 657-65.

 

Artigo de autoria do economista André Filipe Zago de Azevedo, PhD em Economia pela University of Sussex, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.