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Conflitos e cooperação no desenvolvimento metropolitano


As governanças metropolitanas necessitam menos das atribuições constitucionais dos Estados da Federação e mais da liderança regional das metrópoles para atingir o desenvolvimento metropolitano.

O aparecimento e a formação das cidades¹ estão relacionadas com a existência de aglomeração de pessoas e firmas num determinado território, que irão definir o tamanho da produção econômica e, consequentemente, o tamanho dessas cidades². Com isso, o que irá descrever o desenvolvimento das regiões urbanas e o processo histórico de uma cidade ou região, será o resultado das barreiras de mercado³, colocando a metrópole⁴ como a principal cidade numa região metropolitana. Desta forma, as metrópoles exercem influência e atração econômica sobre as demais cidades metropolitanas, determinando os maiores fluxos de oferta e demanda de bens e serviços⁵.

As regiões metropolitanas são caracterizadas, inicialmente, pela contiguidade territorial, uma vez que diferentes municípios limítrofes formam um território de grandes dimensões, permitindo que elas sejam observáveis pela homogeneidade de comportamento e autossuficiência decorrentes da sobreposição da funcionalidade e influência das cidades⁶. Além disso, as regiões metropolitanas são também observáveis pela fusão das áreas urbanas dos diferentes municípios limítrofes, dando forma às grandes dimensões de um único e contínuo tecido urbano, que excede os limites políticos e administrativos dos municípios⁷.

A metrópole, faz com que as demais cidades metropolitanas sofram uma forte influência política e interdependência econômica por parte desta, caracterizando-se por uma elevada taxa de urbanização, alta densidade demográfica e movimentos pendulares da população⁸, o que denota a sua importância na região metropolitana⁹. Esta influência da metrópole demonstra a complexidade da urbanização neste tipo de região, refletindo não só sobre as suas dimensões territoriais, mas também atuando sobre a economia e os modos de vida da população¹⁰ , determinando uma grande interdependência e tornando-a observável pela produção, distribuição, acumulação da riqueza e reprodução social¹¹.

Com base nisso, seria possível às regiões metropolitanas atingir um desenvolvimento metropolitano satisfatório, sem a coordenação e a liderança regional da metrópole, para reduzir conflitos e gerar cooperação para soluções regionais de interesse comum? Dificilmente.

Historicamente, os municípios metropolitanos têm concentrado seus esforços na resolução de problemas locais¹² ao invés de se empenharem para solucionar problemas metropolitanos, desconsiderando as dificuldades comuns ao longo de todo o território regional, em que as soluções exigem esforço conjunto. Isso ocorre devido à dificuldade de adequação entre o território metropolitano e a conjuntura institucional da governança metropolitana, ao apresentarem dificuldades de cooperação entre os atores envolvidos¹³, dificultando o desenvolvimento metropolitano.

Dessa forma, quem deve promover e orientar o desenvolvimento das regiões metropolitanas são as metrópoles, devido às suas influências políticas e econômicas. Com sua liderança e influência, as metrópoles, podem estabelecer a construção de laços institucionais entre os diferentes municípios e os múltiplos stakeholders¹⁴ (prefeitos municipais, sociedade civil organizada, empresas, cidadãos, etc.), com o objetivo de dar condições ao desenvolvimento metropolitano, mesmo que as regiões metropolitanas no Brasil sejam de responsabilidade constitucional dos Estados da Federação¹⁵, para integrar, organizar, planejar e executar funções públicas de interesse comum.

Em 2021, todos os 5.571 municípios brasileiros deverão elaborar os seus Planos Plurianuais (PPA) para o período 2022–2025, que irão orientar as Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e as Leis Orçamentárias Anuais (LOA) para os próximos quatro anos. Neste sentido, a construção de soluções orçamentárias (PPA, LDO e LOA) dos municípios metropolitanos, mesmo que voltadas para soluções locais, devem ser orientadas para contribuir nas soluções dos problemas regionais, viabilizando o financiamento de soluções para diferentes problemas comuns¹⁶.

Para tanto, é necessário que as metrópoles realizem ações para o robustecimento das estruturas de governança existentes (ou, no caso da inexistência, a criação de estruturas de governança), consolidando-as como espaços de homogeneização das informações para a tomada de decisão e que permitam gerar impactos territoriais da escala metropolitana para a escala local, pois são nestes espaços que ocorrem os conflitos e a cooperação no desenvolvimento metropolitano. As estruturas de governança são espaços institucionais formados por um conjunto de coalizões de stakeholders presentes nas regiões, que se engajam em ações de advocacy¹⁷, na defesa e reivindicação de diferentes interesses, junto às instâncias político-administrativas e instituições. São nestes espaços, que os stakeholders, expõem os seus diferentes interesses¹⁸.

Obviamente, quando os interesses conflituosos dos stakeholders se tornam públicos, o ambiente de governança se torna uma matriz de conflitos. Porém, quando esses conflitos ficam explícitos, tornam-se visíveis os entraves que bloqueiam o processo de desenvolvimento metropolitano¹⁹.

Os stakeholders, ao tornarem esses conflitos visíveis, expondo suas posições e pontos de vista, dão início à articulação e construção de alianças políticas perceptíveis. Neste sentido, por meio das estruturas de governança metropolitanas existentes, é possível estabelecer uma coordenação que busque a cooperação a partir dos conflitos, possibilitando a construção e a montagem de acordos, concessões e renúncias entre os stakeholders, estabelecendo assim, projetos conjuntos entre as partes²⁰.

Dificilmente as metrópoles ou os demais municípios metropolitanos irão atingir o desenvolvimento local desejado, se as soluções não forem concebidas observando os problemas regionais metropolitanos, por meio da coordenação cooperada, a partir de conflitos explícitos. Diante da diversidade de estruturas de governança definidas nos diferentes sistemas de políticas públicas do Brasil²¹, o instrumento legal-normativo que possibilita a construção de uma coordenação metropolitana eficiente é o Estatuto da Metrópole²².

A Lei Federal 13.089, de 12 de janeiro de 2015, denominada Estatuto da Metrópole, determina o estabelecimento de uma regionalização administrativa estabelecida pela integração das estruturas de governança metropolitanas, possibilitando a interação do planejamento e da execução das políticas, congregando de forma real, todos os stakeholders envolvidos no desenvolvimento metropolitano.

O Estatuto da Metrópole estabelece diretrizes para o planejamento, gestão e funções públicas de interesses comuns nas microrregiões, aglomerações urbanas e regiões metropolitanas, prevendo um Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI). Para tanto, ele define um regramento para os PDUIs entre os municípios, estados e a União, garantindo ainda a participação dos stakeholders, para solução de problemas de interesse comum, tendo condições de estabelecer soluções metropolitanas e locais para os municípios destas regiões.

É necessário que os governos municipais metropolitanos, liderados pelas metrópoles, orientem suas políticas às idiossincrasias das regiões onde estão inseridos, e utilizem as oportunidades dadas pelo Estatuto da Metrópole como instrumento de coordenação e cooperação de políticas públicas, a partir dos conflitos metropolitanos. É imprescindível a coordenação dos interesses dos stakeholders para solucionar os problemas de desenvolvimento encontrados nas regiões metropolitanas.

Os problemas locais das cidades metropolitanas só conseguirão ser solucionados se também forem considerados e coordenados como problemas regionais e, para isto, é fundamental ter como liderança desse processo a cidade polo, a metrópole. Sem esse entendimento, dificilmente os problemas locais e regionais serão resolvidos.

A solução do desenvolvimento metropolitano passa pelos interesses locais, orientados à cooperação regional, construída dentro das estruturas de governança, liderada e coordenada pela metrópole, por ser a cidade mais importante, em decorrência da sua influência política e econômico-regional, sobre as demais cidades. Portanto, é evidente a impossibilidade de consolidação do desenvolvimento metropolitano sem a liderança do centro de atração econômica do território, que também deverá exercer um papel político-institucional na condução da resolução dos problemas.

Notas e Referências
[1] TINOCO. A. C. Das economias de aglomeração às externalidades dinâmicas de conhecimento: por uma releitura de São Paulo. In: Anais do X Encontro da ANPUR, Belo Horizonte, 2003.
[2] Neste sentido, a teoria das economias de aglomeração, explica que a formação das cidades está relacionada com a existência de aglomeração de pessoas e firmas no espaço (território). Num determinado território, o aumento no número de firmas e trabalhadores criam retornos crescentes de escala, possibilitando um aumento proporcionalmente maior na produção econômica desse território (LIMA, 2018) — ver nota 11.
[3] HENDERSON, J. V. The sizes and types of cities. American Economic Review, v. 64, p. 640–656, 1974.
[4] Chamada também de cidade núcleo.
[5] BERNARDI, J. L. Funções sociais da cidade: conceitos e instrumentos. 2006. 136 f. Dissertação (Mestrado em Gestão Urbana) — Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia, Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, 2006.
[6] BAUCHET, P. Les Tableaux Économique. Analyse de la Région Lorraine. Paris: Génin, 1955.
[7] FREITAS, R. Regiões Metropolitanas: uma abordagem conceitual. Humanae, v.1, n.3, p. 44–53, dez. 2009.
[8] Ver nota 6.
[9] COSTA, M. A.; TSUKUMO, I. T. L. 40 anos de Regiões Metropolitanas no Brasil. Brasília: IPEA, 2013. p. 187–203.
[10] MOURA, R.; FIRKOVSKI, O. L. C. de. Metrópoles e regiões metropolitanas: o que isso tem em comum? IX Encontro Nacional da ANPUR. Anais. Rio de Janeiro: ANPUR, 2001, v.1, p.105- 114.
[11] LIMA, Mário Jaime Gomes de. (2018), Proximidade e governança metropolitana: cooperação e conflitos nas políticas públicas ambientais da região metropolitana de porto alegre (RMPA). 2018. 250 f. Tese (Doutorado em Economia do Desenvolvimento) — Escola de Negócios, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, Brasil.
[12] Neste caso é um sinônimo para municipais.
[13] DAVANZO, A. M. Q.; NEGREIROS, R.; SANTOS, S. M. M. dos. O fato metropolitano e os desafios para sua governança. Revista Paranaense de Desenvolvimento-RPD, n. 119, p. 65–83, 2010.
[14] Estruturas, grupos ou pessoas que participam e possuem interesse em determinado empreendimento ou território. Eles podem ser membros ou órgãos da sociedade civil, governo e outras instituições.
[15] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Constituição Federal de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 20 dez. 2020.
[16] Ver nota 11.
[17] O termo advocacy designa as atividades realizadas com o objetivo de influenciar a formulação de políticas públicas.
[18] Ver nota 11.
[19] TORRE, A. Jalons pour une analyse dynamique des Proximités, Revue d’Economie Régionale et Urbaine, n. 3, p. 409–437, 2010.
[20] Ver nota 20.
[21] Estruturas de governança existentes como os Comitês de Bacias Hidrográficas; Conselhos de Desenvolvimento; Conselhos Regionais de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (COREDES); Consórcios Municipais, Associação de Municípios, etc.
[22] Brasil. Lei n. 13.089, de 12 de janeiro de 2015. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13089.htm>. Acesso em: 20 dez. 2020.

Artigo de autoria do economista Mário de Lima,  Doutor em Economia do Desenvolvimento, professor universitário e presidente do Corecon-RS, publicado no site Economistas no Debate.

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